Este texto fala sobre a proposta
de realização de prévias partidárias no PSOL, para escolha de candidato a presidência da república e a outros cargos da eleição majoritária. É muito curioso observar as
críticas a esse método de escolha de candidaturas. A crítica mais tradicional é
aquela apontada pelo companheiro Pedro Costa Jr, do PSOL-DF: "só servirá
pra nos digladiarmos ainda mais". Então é importante nos debruçarmos sobre
essa objeção às previas, que me parece ser a mais citada pela direção. De
acordo com essa visão, as prévias teriam o condão de acirrar as lutas internas
do partido e inflamar os ânimos. As prévias fariam com que os militantes
perdessem energia nas disputas internas ao invés de se dedicarem ao
convencimento e diálogo com setores externos ao partido. Com isso, as prévias
fariam com que nós deixássemos de disputar a sociedade e passássemos a nos
dedicar quase exclusivamente às lutas internas, que seriam estéreis. Então eu
me pergunto: será que os ânimos já não estão exaltados? Será que nós já não
estamos nos digladiando? E mais: será que a insistência da direção em
interditar as prévias não seria exatamente um dos principais pontos de
divergência dentro da militância?
O que quero dizer é que, boicotando as
prévias, a direção está, na realidade, acirrando ainda mais os ânimos dentro do
partido. Na tentativa de evitar o racha, eles estão causando uma cizânia muito
maior. O debate do dia 7 de março,
entre os pré-candidatos, mostrou muito bem isso: o processo de prévias emergiu
como a principal bandeira de campanha de Plininho e outros. Enquanto isso,
colocou-se a pecha de que Boulos e a direção do PSOL seiram antidemocráticos, o
que não é necessariamente verdade. Ou seja, o boicote às prévias, realizado
pela direção, acirrou ainda mais os ânimos dentro do PSOL.
Pois bem, aí vem o outro argumento importantíssimo para dispensar as
prévias, também apresentado pelo companheiro Pedro Jr.: não vale a pena “ter
prévias pra decidir algo q já tá evidente”. É o argumento de que as prévias
seriam desnecessárias porque já estaria evidente que a grande maioria do
partido votaria a favor de Guilherme Boulos. Vale lembrar também que ontem, dia
10 de março de 2018, de fato se apresentou uma grande maioria a favor da
referida candidatura, por ocasião da Conferência Eleitoral do PSOL realizada em
São Paulo.
Eu concordo com o argumento de que, quando há unanimidade na direção
sobre uma candidatura, talvez não valha a pena realizar prévias, bastando uma
votação simbólica. Eu me lembro que, em uma reunião da Executiva do PSOL-DF, no
final de 2017, o ex-presidente nacional do PSOL, Luís, Araújo, disse que, se ao
menos 90% da direção do partido concorda com a escolha de um candidato, não
seria necessário realizar prévias. Achei a fala dele muito interessante por
apontar um valor percentual para esse critério de “escolha evidente”. Ao mesmo
tempo, é interessante notar que, na conferência de 10 de março, não se atingiu, nem de longe, esse percentual. Nessa ocasião, 71% dos delegados escolheram Boulos, muito abaixo dos 90% indicados por Luiz Araújo. Acredito que seja necessário estabelecer, com
precisão, esse critério, e talvez seja essa uma boa proposta para se apresentar
no próximo congresso partidário: qual o percentual razoável de votos no
diretório seria suficiente para dispensar a realização de prévias. Sem esse
critério previamente estabelecido, o argumento da “vitória evidente” parece ser
casuística.
Dessa forma, quero dizer que os dois principais argumentos para se
dispensar as prévias, a de que elas acirrariam as lutas internas e a de que a
vitória de Boulos era evidente, não se sustentam, na minha opinião. O primeiro
não se sustenta porque o boicote às prévias causou uma cizânia muito maior do
que aquela se procurava evitar. O argumento da vitória evidente não se sustenta
porque não se estabeleceu, previamente, o percentual que configuraria essa
vitória evidente, se 90% ou 80% ou 70%. Eu me lembro que, no Congresso Nacional
do PSOL, em 2013, a US impôs a pré-candidatura de Randolfe Rodrigues à
presidência por meio de uma estreita margem de votos, menos que 55%. Ou seja, o
argumento da vitória evidente foi dispensado e a ala majoritária impôs um nome
bastante impopular no seio da militância organizada do partido. Mais tarde, o
próprio Randolfe reconheceu isso e abriu mão da candidatura, abrindo espaço
para Luciana Genro. Isso mostra que argumento da vitória evidente se mostra
elástica e casuística dentro do partido, demonstrando a necessidade de se
estabelecer, o mais rápido possível, qual seria o percentual razoável de votos
para se dispensar as prévias.
Por fim, quero dizer que, se houvesse prévias no PSOL, provavelmente
votaria exatamente naquela candidatura que foi escolhida pela direção: Guilherme
Boulos e Sônia Guajajara, sobretudo após o debate do dia 7, que, na minha
opinião, acabou mostrando um pouco do ranço anti-petista que ainda paira sobre
uma parcela da militância. Concordo que o vídeo de Lula na Conferência do dia 3
de março era dispensável, e isso mostra que não é seguro deixar a comunicação
de campanha unicamente nas mãos da Fora do Eixo e Mídia Ninja. Contudo, a candidatura
Boulos-Guajajara parece representar uma aposta (arriscada, diga-se de passagem)
na aliança do PSOL com dois segmentos importantíssimos do movimento social:
movimento dos trabalhadores sem-teto e movimento indígena. São segmentos que,
que há bastante tempo, descolaram-se do petismo e tiveram a coragem de fazer as
críticas necessárias ao governo do PT. Além disso, entendo que o golpe de 2016
representou uma importante mudança na conjuntura política do país, que exige de
nós também uma mudança de postura, diante da tal onda conservadora.
Acredito que as prévias fortaleceriam a democracia partidária e
permitiram um debate mais aberto e franco sobre as candidaturas. As prévias são
uma oportunidade para se propor ideias para o programa de governo e melhorar o
diálogo com a sociedade. O debate entre os pré-candidatos serviria como uma
espécie de treinamento para as difíceis disputas que ocorrem durante a campanha.
Existe a ideia também de se realizar prévias amplas, com a participação de
não-filiados, como ocorre dos Estados Unidos, o que deve ser feito de maneira
criteriosa, para evitar fraudes. Outra proposta é fazer prévias com pesos
diferentes para os votos de filiados em relação ao de não-filiados. Prévias seriam
desgastantes? Talvez, mas a democracia exige de nós um exercício diário de
diálogo e compreensão do outro. Uma candidat@ escolhida por prévias teria muito
mais legitimidade para falar em nome do partido. Fica a dica para a próxima
eleição.